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Entrevista com Dr. Wilson Carrara

Segundo o ginecologista, obstetra e professor doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Wilson Carrara, existe um perfil claro da mulher que busca a maternidade independente hoje: “A grande maioria são mulheres de idade mais madura, já realizadas profissionalmente e com estabilidade econômica.”

E essas mulheres, como conta o médico ao Maternidade Independente, costumam chegar à primeira consulta muito certas do que querem. Se não conseguem fazer o procedimento com o próprio óvulo, não hesitam em recorrer à ovodoação. Não têm questões morais ou conceituais, nem temem sofrer preconceito. Estão “bem resolvidas”. De cinco anos para cá elas se tornaram muito mais frequentes no consultório do dr. Carrara.

Confira abaixo a entrevista concedida a Bettina Boklis e Paula Quental

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O senhor tem sido mais procurado no consultório por pacientes que optaram pela maternidade independente? Qual o perfil dessas mulheres?

Nos últimos cinco anos tem havido uma procura maior. A grande maioria são mulheres em idade mais madura, já realizadas profissionalmente, com mais estabilidade econômica. E que até o momento não tiveram a oportunidade da maternidade. Há aquelas que precisam recorrer a um banco de esperma e as que precisam de ovodoação, não têm a oportunidade de usar o seu próprio óvulo. Outra coisa interessante é que muitos casais de mulheres têm optado pela gravidez. Uma das duas alberga a gravidez, outra doa o óvulo, e se busca o banco de esperma.

Essa situação é mais comum do que a maternidade independente?

Não. Mas acho que talvez seja questão de tempo. Há três anos isso não existia. Nesse ano tivemos alguns casos como esses, de casais de mulheres, muitos ainda na fase do amadurecimento, da decisão.

As mulheres que buscam a maternidade independente já chegam ao consultório informadas sobre banco de esperma e todo o processo? Elas já vêm com a decisão tomada?

Já leram em algum lugar, mas chegam carentes de informação. Elas não têm nenhuma noção de como é o processo. Desde como induzir, se é possível fazer o procedimento, em função da idade, como se obtém esses espermatozoides. Algumas pensam em amigos, outras em buscar um banco. Mas são muito carentes de informação.

Qual o grande medo dessas mulheres?

O grande medo é em relação à qualidade, à origem desse espermatozoide, se é confiável. Esse é o grande medo.

Os bancos de esperma procuram se cercar de todos os cuidados, testam os espermatozoides por um período de seis meses, entre outras iniciativas…

Sim, mas essa é a grande questão. Pois a parte econômica, em geral, está resolvida. Elas optam por isso porque já têm idade – independentemente do que vai acontecer no futuro, se vão conhecer alguém – e querem garantir a maternidade. Pacientes acima de 40 anos são a maioria. Também o que se vê hoje com frequência são mulheres com mais de 35 anos querendo congelar seus óvulos. Chegam aqui com 39, 40, querendo congelar. Já começam a aparecer algumas mais jovens, o que é melhor, porque a qualidade do óvulo é melhor. A possibilidade de lograr êxito em uma gravidez no futuro é maior com óvulos mais jovens, e hoje as técnicas de congelamento são mais eficientes. O fato de congelarem os óvulos não significa, porém, que vão optar pela maternidade independente.

No caso das mulheres que optam pela maternidade independente, como devem proceder em relação à doação de esperma? É melhor o banco de sêmen ou o doador amigo?

Particularmente não aconselho o amigo, pois se essa mulher quer ter uma maternidade independente, com domínio pleno no futuro sobre a criança, ela corre o risco desse amigo querer reivindicar a paternidade. Ela não está livre disso, apesar de não serem casados. É a mesma briga dos casados, como numa separação. Se ela quer que seja independente, que seja independente mesmo.

Essas mulheres sofrem algum tipo de preconceito na sociedade?

Quando elas vêm com essa intenção elas já vêm decididas, mais interessadas em esclarecer dúvidas do que em discutir o conceito. São pessoas muito bem resolvidas, amadurecidas.

É comum precisar de doação de óvulo e de esperma?

É muito raro, mas já existiu essa questão, essa discussão, com uma paciente acima de 45 anos. São raras as situações em que se precise da doação das duas coisas. No caso de mulheres com mais de 45 anos, pode-se tentar ainda, vendo se não está na menopausa. Há pacientes com mais de 45 que lograram êxito com fertilização in vitro, com esperma do marido. A partir dos 40 começa a ser mais comum a ovodoação. Mas também é uma questão de tempo as duas coisas se juntarem.

O que acho importante é que, mesmo com óvulo doador e esperma doador, pelo menos a gravidez a gente sabe como ocorreu. Se você adota uma criança, tudo bem, é ótimo, mas, além de não se ter informação sobre sua origem, não se sabe em que condições ela foi gerada, se essa gravidez se deu em condições adversas. Mesmo com doação de óvulo e esperma, é muito mais seguro. Independentemente da decisão de contar para a criança no futuro ou não, a mãe vai ter a experiência da gravidez, vai ter fotos da barriga, da maternidade, da amamentação. Só quando ela tem a sua própria gestação ela pode passar por isso, e poder mostrar a essa criança que o seu vínculo é muito anterior.

Por que houve essa procura maior pela maternidade independente de cinco anos para cá? Foram avanços científicos ou mudança comportamental?

Foi mais a mudança comportamental mesmo. As mulheres cada vez mais procuram uma realização profissional e de repente o tempo surge como um limite.

As mulheres estão mais autônomas também, não? Mais corajosas…

Tenho um caso de uma paciente que recorreu a óvulo doador há dez anos, mas isso era muito excepcional na época. Hoje em dia é mais frequente, em pacientes com mais de 40. Tenho outra paciente que ia fazer uma fertilização in vitro com o namorado e ele acabou desistindo na hora de fazer. Ela decidiu então pelo espermatozoide doador. Estava muito decidida a ser mãe.

Qual sua opinião sobre congelamento de embriões? O que é melhor: congelar óvulo ou embrião?

Congelar embriãozinho é uma decisão um pouco delicada, pois você pode estar muito bem hoje na relação, congela embrião, mas se houver briga e separação, e não houver concordância entre os dois, você não vai pode usar o embriãozinho.

Bettina – Por isso eu cheguei à conclusão de que não vale a pena congelar embrião, embora tecnicamente seja melhor…E se a mulher congela com espermatozoide doador e quando vai ter a criança já está em um novo relacionamento? Pode ser complicado para o parceiro aceitar esse embrião fecundado com espermatozoide doador.

Uma situação em que congelar embriões é uma boa decisão é quando a mulher é casada e vai se submeter a tratamento de quimioterapia. Ela congela para mais tarde poder gerar um filho. Antes se fazia o tratamento, por exemplo, transplante de medula, sem pensar no depois. E quando curada a mulher se dava conta de que havia perdido a fertilidade. Hoje, como o índice de cura de linfomas e de leucemia é relativamente grande, e as pacientes são jovens, no futuro elas terão a opção da maternidade se congelarem o embrião. Não que não possam congelar o óvulo, mas se estiverem bem casadas, congelar o embrião pode ser uma opção. É uma nova visão: antigamente todo mundo ficava preocupado com o tratamento e depois vinha aqui e não tinha como engravidar, só com óvulo doador.

Agora, não quer dizer que a partir do momento em que você opta pelo congelamento, seja do óvulo, ou do embrião, você vai ter sucesso e conseguir engravidar. Há possibilidades de insucesso em qualquer fertilização in vitro. Pacientes jovens, com maridos também jovens, às vezes tentam uma, duas, três, quatro vezes e não conseguem. Talvez por alguma coisa que a medicina ainda não está conseguindo detectar.

Com os mais jovens a dificuldade é grande também?

A dificuldade existe. Mesmo com pacientes jovens, que precisam fazer uma fertilização in vitro, por causa de uma endometriose, uma infecção com obstrução das trompas, e que você olha e pensa: tem tudo para dar certo. E não dá, por razões que ainda não se descobriu.

Existem restrições de saúde para quem quer se submeter à reprodução assistida?

Se a mulher estiver bem, sem nenhuma patologia, nada que possa caracterizar uma gravidez de risco, não há restrições. Mesmo assim, há maneiras de se olhar: uma mulher acima de 35 é gestação de risco? Sim, é uma gestação de risco. Mas, como em qualquer procedimento: uma mulher de 20 anos em condições ideais e uma de 40 anos em condições ideais, sempre a de mais idade pode ter mais complicação. Mas se não tem diabetes, hipertensão, tudo bem. Por outro lado, uma mulher de 25 pode ter problemas, como uma eclampsia. Uma cardiopatia grave, independentemente da idade, pode ser complicada. A patologia em si, não por causa da idade.

No caso de um quadro de ansiedade, um tratamento de reprodução assistida é recomendável? O lado emocional pesa?

O emocional pesa? Acho que sim. Você tem “n” situações de pacientes que tentaram sem sucesso a fertilização in vitro e de repente param com tudo, se acalmam, e engravidam. Às vezes a paciente faz uma viagem e volta grávida. Mas isso não se quantifica. Tudo o que não se quantifica em medicina você não pode dizer que é uma causa. No ano passado recebi uma paciente que fez seis tentativas, parou por 4 anos, adotou duas crianças. E aí veio aqui com 44 anos, com a queixa de que não estava menstruando e ficamos discutindo menopausa. Nem imaginava a possibilidade de ela estar grávida e, para nossa surpresa, quando fomos fazer um ultrassom de rotina vimos que ela estava grávida de seis semanas. Como se explica isso? Sei lá, casual.

O senhor já teve algum caso de uma paciente com uma segunda maternidade independente?

Não, não tive. Acho que é a idade que limita mais essa opção. Nenhuma das que me procuraram com essa questão vieram para uma segunda vez, todas se realizaram com um filho. Talvez seja essa a expectativa delas. O que bate com o que acontece com a sociedade de um modo geral, é muito comum hoje os casais terem só um filho… O contingente dos que não querem ter filhos também é enorme. É uma realidade na Europa e que hoje já começa por aqui.

A taxa de fecundidade está bem baixa por lá e também aqui caiu muito. Até por causa disso, o senhor antevê que no futuro os governos incentivem ou facilitem ao máximo opções como essa da maternidade independente, de forma estimular a procriação?

Já se faz isso. Na França há políticas públicas, no Canadá também. Até fazer 18 anos, o seu filho recebe uma bolsa, para ajudar. Seja maternidade independente ou não. Porque senão não vai ter população ativa no futuro. A França faz toda uma campanha de incentivo à maternidade.

No meio médico, o senhor percebe algum preconceito com a maternidade independente?

Não, nunca vi nenhum comentário contrário. Deve ter pessoas mais moralistas, mas no geral não. Acho que o médico não tem que ter essa opinião, o médico tem que aceitar o que é trazido para ele. O que às vezes acontece, quando a mulher precisa recorrer a óvulo doador, é um preconceito por parte do marido. Apesar de ser geneticamente dele, de o esperma ser dele. Às vezes o trabalho maior de convencimento não é com ela, é com ele.

Ela pode não contar ao marido que fez ovodoação?

Tem que ter assinatura dos dois. Se ela está usando um espermatozoide dele, ele tem que consentir. Senão, se daqui a três anos ele descobre, faz um estudo genético, pode haver problemas. Os dois têm que ter plena consciência, têm que assinar junto. Pelas normas existentes.

A questão da ovodoação ainda é muito complicada no Brasil, pois existe todo um procedimento para poder doar. No caso de esperma é muito mais fácil. O senhor conhece no Brasil algum um banco de óvulo e esperma ao mesmo tempo?

Aqui é proibido comercializar óvulo ou esperma, tem que doar, não pode haver pagamento. O banco manda as características para o casal decidir. É mais difícil obter alguém que faça uma ovodoação do que esperma. Todo o tratamento de estimulação de ovulação tem também seus riscos. É bem mais complicado o processo de ovodoação, por isso o número é menor.

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